Baía Iii
(Carlos (Manatwork), Caetano Veloso)
salvador é uma cidade marginal. contruída sobre a marginal. com gente marginal a viver marginalmente. uma imensa cultura popular que nos escapa por entre os dedos e julgamos entender lendo meia dúzia de livros sobre os cultos e os comeres. somos demasiado brancos para isso. temos os olhos claros e o cheiro das colónias nas narinas. falta-nos os cheiros dos suores que odiamos, dos temperos, das ruas, das árvores depois da chuva forte e rápida que lava tudo e tudo empurra para os rios castanhos. só vimos o postal ilustrado. falta-nos ver as pessoas. que é o que a bahia tem de rico E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco brilhante de lixo do Leblon E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina 111 presos indefesos o aparelho de televisão ligado mostra mais uma revolta numa qualquer prisão. o espectáculo dos repórteres em directo. os familiares em choro suave. os lençóis ás janelas de grades. a inevitável chachina que irá acabar com a revolta dos presos que vivem como nas favelas dentro das celas onde estão 10 vezes mais que a lotação para que foram construídas. quantos mais morrerem mais livres vão ficar as celas, parece Mas presos são quase todos pretos Ou quase pretos Ou quase brancos quase pretos de tão pobres E pobres são como podres E todos sabem como se tratam os pretos E quando você for dar uma volta no Caribe E quando for trepar sem camisinha as garotas de programa paseiam-se pelas mesas do ''casquinha de siri''. meninas de poucos anos e muita experiência. mulatas sensuais e bonitas que se dengam pelas mesas dos turistas que cheiram a dinheiro e a dolares e a euros para completar o salário mínimo do trabalho diário na lojinha. mulatas e pretas prenhas de ritmo dançam com velhos e menos velhos e pouco novos. brancos mais tesos que troncos de árvore em gestos que parecem de boneco articulado, convencidos que são jovens e atraentes e têm ritmo e que as meninas estão com eles não apenas pelos euros mas também por eles, pobres coitados E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba Pense no Haiti Reze pelo Haiti no meio de uma banca de literatura de cordel e discos de repentistas, bem ao lado do mercado modelo a transbordar de turistas a comprar as recordações para dizer que estiveram na bahia e pôr em cima das mesas das salas e dos televisores e nas paredes para mostrar aos amigos que foram lá e têm uma camiseta a dizer isso mesmo. enquanto escolho e peço para ouvir este e aquele disco e folheio mais uma vinheta ou um livrinho com um delicioso poema de rimas quebradas e outras mais inteiras e que contam uma história de amor ou de crime ou de lição e orgulho histórico, o velho senhor vai dizendo que este disco tem 3 sucessos e o outro 4 e aqueloutro um apenas e neste ele canta, sim, ele. o famoso paraíba da viola. ali, junto ao mercado modelo. modelo de humildade a dizer que o não-sei-qem da ladeira é o maior repentista que há, e mais aqueloutro tem não sei quantos sucessos. ele, paraíba da viola, repentista famoso entre os repentistas pede desculpa por ser quem é. por ter talento. que não senhor, é apenas um poeta e um cantador (ao-a.migo... um abraço do poeta paraiba da viola salvador 24-4-2004). conta como um chinês que estava num hotel junto ao mercado modelo lhevou uma fita e prensou o disco em taiwan e lhe enviou 24 cópias, quase todas vendidas. trago o tesouro do afecto. trago a lição de humildade e talento. O Haiti é aqui O Haiti não é aqui (haiti, caetano veloso)
Resumos Relacionados
- Baía I
- O Perfume: História De Um Assassino
- Ensaio
- Este É O Meu
- Vertigo Y Futuro
|
|