Quatro Artigos Sobre a Musica....
(Alfredo Votta Junior)
Quatro textos sobre música dura e difícil Alfredo Votta, Janeiro de 2006 1.1.2006 Bombas, flores, pedras Não gosto de feiúra, ou ao menos da feiúra autêntica; ela me parece ser algo de que, por definição, não se gosta. Porém, beleza está em muito mais coisas do que parece no primeiro segundo em que se pensa sobre isto. Quando tinha dez, onze anos, havia num meu livro de escola uma foto de explosão nuclear. Deixando de lado o espírito não apenas apocalíptico mas amargamente pessimista dos últimos capítulos daquele livro, por acaso de geografia, eu vivia olhando a foto, e hoje entendo: eu a achava fascinante. Uma bomba atômica explodindo é algo muito bonito de ver. Sinto certa frustração ao imaginar pessoas que certamente terão exigido aqui um parágrafo bem longo dizendo como a bomba atômica mata as pessoas e quão horrível ela é. Não preciso fazer isto. Não é da conta dessas pessoas, mas eu talvez seja um dos freqüentadores mais assíduos do grande cemitério do século XX, em cujo memorial vivo pondo flores. E era bonita a foto da bomba explodindo. Bem, a natureza também faz esse gênero de coisas. Uma erupção vulcânica se aproxima disto, às vezes supera. E quando explicam sobre as estrelas? As explosões a ocorrer nelas fazem bombas atômicas parecerem flores pequeninas abrindo, daquelas que balançam muito se lhes cai uma gota de água. Coisas calmas me agradam bem mais, é verdade. Entretanto, não é possível deixar de ver as explosões; e pelo menos vê-las parece fazer um pouco parte de mim quase tanto quanto gostar do que é calmo e contemplativo. Lá com uns dezessete anos eu escrevia peças que duravam pouco e com muita freqüência terminavam em alguma pequena explosão, ou então a tinham no seu centro, talvez ainda em algum lugar entre o centro e o fim. Uma delas começa com um tema um pouco melancólico, poderia dizer resignado também. Mas depois se percebe, pelo menos meus ouvidos entendem assim, que até existe resignação, mas não sem uma explosão como algo que diz: existo, vivo e tenho sangue; e além de tudo, sou estranho e acho melhor não terem certeza de que me conhecem. Aos dezessete isto talvez não seja muita surpresa nem nada imprevisível. Mas mesmo depois, de maneiras diferentes, isto continuou acontecendo. Não seria certo deixar de pensar que esse tipo de idéia também se pode expressar de modo calmo e, agora, misterioso. Dizer, sem explosão: "não tenham certeza de que me conhecem" pode ser tão surpreendente quanto dizê-lo com explosão. Mesmo as frases, porém, mudam; já não digo isso com freqüência, e aprendi a dizer: "vamos conhecer a montanha; durará para sempre". Bem de vez em quando volto um pouco, acredito com força em que quem produza algum tipo de arte deva fazer seu trabalho de acordo com a idéia que está tendo, mesmo que pareça coisa de há cinco, dez ou dois anos. Em 2005 escrevi uma peça chamada Nuvem de vidro completamente desprovida das delicadezas que costumo buscar. É dura e quadrada, e mesmo em certo trecho aparece uma idéia mais maleável, surrada nos instantes seguintes para se tornar também quadrada e seca. E é verdade que este era o meu estado de espírito naquele momento. Não sendo capaz de escrever nada muito sensível, o que eu soube fazer naquele momento foi uma nuvem de vidro. Não vejo nenhuma discrepância ou incoerência no fato de ter escrito essa Nuvem de vidro e, nos meses seguintes, mais algumas das peças com nome de pedra, todas mais sonhadoras, ascéticas, contemplativas. Estas me são bem mais próximas que a Nuvem de vidro, mas de novo eu devo dizer: o que houver como idéia deve ser feito. Cheguei mesmo, em alguns momentos, sempre muito mais raros, a escrever composições alegres. Isto é normal, e nem a mim me surpreende mais. Mesmo nas pedras, que dão nome a várias peças que escrevi, não penso rigorosamente o tempo todo como objetos graciosos com cor bonitinha. Além de pensar em adjetivos menos infames para a cor, penso nelas também como objetos duros, polidos ou não, e no seu estado bruto, incrustado na pedra menos nobre, muito pesada e completamente alheia à idéia de jóias. Não posso me esquecer, e não me esqueço, da descrição da Jerusalém celeste no Livro do Apocalipse (21, 18-21): O material da muralha era jaspe, e a cidade ouro puro, semelhante a puro cristal. Os alicerces da morada da cidade eram ornados de toda espécie de pedras preciosas: o primeiro era de jaspe, o segundo de safira, o terceiro de calcedônia, o quarto de esmeralda, o quinto de sardônica, o sexto de cornalina, o sétimo de crisólito, o oitavo de berilo, o nono de topázio, o décimo de crisóparo, o undécimo de jacinto e o duodécimo de ametista. Cada uma das doze portas era feita de uma só pérola e a avenida da cidade era de ouro, transparente como cristal. Não é muito importante dizer, mas digo que nas minhas peças com nome de pedra não cheguei a usar todos esses nomes, e há nomes ausentes que usei. * * * 2.1.2006 Outra nuvem Cheguei a pensar em tijolo ao comparar certas intenções musicais. A palavra é forte, e o próprio objeto é forte, apesar de facilmente quebrável; facilmente quebrável ao lado da dureza que procurei e imaginei, que procuro e imagino. Por isto pensei também em pedra, em ferro, em aço, em granito, em chumbo. Perto de quando compus a Nuvem de vidro escrevi também um pequeno poema chamado O icosaedro de chumbo, mas não tenho vontade de citá-lo agora, apesar de gostar dele. No mais, ele nem é tão duro. Ah, mas encontro aqui o chumbo que procurava, e é num post chamado Música premeditada, de Agosto de 2005: Guarda isto: esculpir um cubo de chumbo com lado de cinco metros e jogá-lo num desfiladeiro com dois quilômetros de altura. Um cubo maciço, que produza um barulho interessante quando se chocar, lá embaixo, com o chão de metal. Outra vez tinha a ver com o meu estado de espírito. Creio ter sido minha vontade fazer isto, jogar algo muito pesado de uma altura muito grande e imaginar um enorme impacto. Em 2002 escrevi uma Nuvem de pedra. A Nuvem de vidro foi escrita para clarinete, violoncelo e piano; a Nuvem de pedra é para piano solo, como quase tudo que escrevo. Esta também é violenta, de certo modo, com dinâmicas bem mais fortes do que vinha usando. Algumas notas e acordes repetidos várias vezes, de maneira um pouco neurótica (mas sempre lenta, por isto nunca frenética), o que me faz pensar também numa espécie de tradução exata da atenção ou do pensamento: um estímulo me chama a atenção por oito segundos, em seguida vejo uma imagem que me atrai por um minuto e meio, a seguir me distraio por mais poucos segundos para em seguida ter uma recordação que me martela a mente de modo muito repetitivo, nove, onze vezes. Mas o que parece muito assimétrico é, com certa freqüência, mais equilibrado e até elegante. As quantidades de tempo colocadas aqui foram inventadas agora, não se relacionam concretamente com a Nuvem de pedra. O que também usei nela foram alguns acordes que, a princípio, eu não achava interessantes nem bonitos (lembrando sempre do que quero dizer com "belo"; pode ser a menina, a flor e a bomba atômica). Consegui ver que não há acordes para os quais não se possa encontrar um uso bonito ou pelo menos interessante e, melhor ainda, curioso. Aceitar mais variedades de acordes é algo que me parece ter enriquecido o que escrevo, e fiz bastante isso depois dessa Nuvem de pedra; formar acordes sorteando notas também me fez encontrar coisas que não teria pensado de outro modo. Na época, como ainda hoje, às vezes eu ficava pensando no que poderia ser a origem desse nome, Nuvem de pedra, e imaginava uma lenda talvez contada por algum povo, sobre uma nuvem de pedra, apenas, vindo e cobrindo terra, fazendo as coisas ficarem escuras. Nunca fui além disto; a idéia talvez seja estéril na minha cabeça, seria fértil numa outra; e sempre acabei divagando e pensando em outras coisas quando esse assunto voltava a me ocorrer. De qualquer modo, a composição em si continua a me parecer e soar curiosa, com essa dureza que aprecio e alguma secura também. Dou
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