Estrangeiro
(Remisson Aniceto)
Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?É que longe, aquém das serras,a alma me abandonou...Estrangeiro sou e não ardo.Meu corpo segue em névoa calma.Não carrego nenhum fardo:não sofre quem não tem alma.Piso as pedras do caminholivre, só, sem rumo certo.E por ser assim _ sozinho _nada é longe, nada é perto...
Estou aqui, além, aquém,não importa meu destino;se não me espera ninguém,meu viver é peregrino.Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?É que longe, aquém das serras,a alma me abandonou...Ser estranho é ser feliz,é ter tudo e não ter nada,ser mestre e aprendiz,tendo a casa na estrada.Vai, alma, não voltes mais!Vê se te aportas noutro porto.Ser assim muito me apraz:não ser vivo nem ser morto...
Se meu corpo não tem alma,minh'alma um corpo não tem.Tal estado hoje me acalma;a ela não sei se convém.Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?É que longe, aquém das serras,a alma me abandonou...
Sou meio-termo inteiro,animal de consciência;sou ar puro e passageiro,que de si não dá ciência.Minh'alma foi carcereirado corpo, as rédeas tomava.Fingia ser companheiraenquanto só regras ditava.Perdi amor e felicidade,que a ela não interessava. Hoje há paz e não saudadeda alma que o corpo matava.Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?é que longe, aquém das serras,alma me abandonou...
Desalmado sou, bem sei,estou solto e desgarrado,livre do mundo, da lei,sem presente e sem passado.Minh'alma já foi bem tardese perder por outros lados.Faço tudo sem alarde:sem alma não há pecado.Vai, alma, pedir pousadaem corpo que te receba.Sou feliz e não me agradate encontrar pelas veredas.
Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?É que longe, aquém das serras,a alma me abandonou...É bom que eu seja assim,como nuvem passageira...Que o mundo não saiba de mim.Sou quem não fede nem cheira.
Fui louco, tolo, bastardo,a alma de mim fez desdém.Leitores, compreendam meu fado:a alma jamais fez-me bem.Serei o que queiram que eu seja.Se quiserem, serei ninguém.Sou o novo que vicejado que já foi velho. Amém!Sou estranho nesta terra.Estranho? E por que sou?É que longe, aquém das serras,a alma me abandonou...
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